quinta-feira, 4 de julho de 2024

Estudo sobre situação do RH da Secretaria de Assistência Social

 

I - Assistência Social     

Em 2021 São José do Rio Preto foi considerada a terceira melhor cidade para se viver do país.[1] No entanto observamos que a política da Assistência Social do município passou a ser alvo de ataques, através do corte sumário de serviços essenciais ao seu funcionamento. Com isso, observamos um agravamento nas condições de vida da população vulnerável que resultou na desgostosa inclusão do município no mapa da fome.[2]

Gostaríamos de destacar aqui dois eventos principais que acreditamos exemplificar claramente o desmonte que esta política vem enfrentando.

Em 2023, houve duas rupturas de termo de parceria com instituições que prestavam serviços à Secretaria de Assistência Social:

-       Projeto Lar de Fátima que atendia 540 crianças e adolescentes com o Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos (âmbito da Proteção básica / SUAS) — , essencial para garantir a proteção de crianças enquanto seus pais trabalham e diante da falta de escolas com fundamental I integral na cidade (SIC Rio Preto, 2024).

-       Instituição “Só Por Hoje”: desligamento de 137 funcionários terceirizados (SIC) que trabalhavam na Proteção Social Básica (CRAS) e Especial (CREAS). Em meados de setembro, houve o início de demissões de funcionários — demissões que ocorreram até novembro de 2023. A respectiva pasta atua com esse déficit de recursos humanos sobrecarregando os servidores efetivos. Para que todos os equipamentos mantivessem seus atendimentos à população, foi necessário servidores trabalharem em dois equipamentos e outros fossem remanejados.

 

            Apresentamos a seguir quadro fornecido pelo Portal da Transparência de São José do Rio Preto/ Serviço de Informação ao Cidadão (SIC) que demonstra a diferença severa entre o número de funcionários da pasta entre 2023 e 2024.


Adicionamos a esse cenário caótico, o dado de informação de que a Assistência Social no município já trabalhava acima de sua capacidade,  antes mesmo desta redução. Além disso, entre Janeiro/ 2023 e Janeiro/2024 foi implantado na cidade o Programa Criança Feliz que tem equipes constituídas para executar um Plano de Ação próprio.  O Programa gerou a contratação tercerizada de 49 pessoas (SIC Rio Preto). Sendo assim, teríamos que subtrair esse número da quantidade total de trabalhadores da assistência em 2024 para poder comparar assertivamente com a equipe de 2023 (quando não existia o programa), remanescendo o valor de 328 trabalhadores fazendo em 2024 o que 469 faziam em 2023.

Voltando à avaliação das equipe de 2023, nos apoiamos no marco legal da Política Nacional de Assistência Social cuja classificação coloca São José do Rio Preto como um município de grande porte, ficando atrás apenas das metrópoles.[3]

 

a)    Proteção Social Básica

 

Segundo as Orientações Técnicas: Centro de Referência de Assistência Social – CRAS publicada pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome[4] municípios de grande porte teriam um CRAS para cada 5000 famílias referenciadas, com capacidade anual de atendimento de 1000 famílias.

 


 

             Segue, abaixo, o número de atendimentos anuais e de famílias referenciadas por CRAS em São José do Rio Preto em 2023, conforme dados do Portal da Transparência (SIC). Na terceira coluna, fizemos um cálculo simples de quantos CRAS deveria haver por território para que a Política de Assistência Social atuasse em conformidade com o parâmetros determinados:

 


              Como podemos ver, em 2023 todos os CRAS já atuavam muito acima de sua capacidade de atendimento. Acreditamos que houve erro na coleta de dados acerca do número de famílias referenciadas nos territórios do Novo Mundo e Eldorado, dada a discrepância deste número em relação ao número de famílias atendidas por ano pelo mesmo CRAS. Por essa razão arredondamos o número para 1, que seria o mínimo.

Passamos então para avaliar se o quadro de profissionais estaria em conformidade com a Norma Operacional Básica - Recursos Humanos/ SUAS[5] mesmo antes dos gravíssimos cortes de trabalhadores empreendidos recentemente. Lembramos que Rio Preto compõe a classificação de município de grande porte e que segundo esta norma, as equipes dos CRAS deveriam ser compostas por 4 técnicos de nível superior e 4 técnicos de nível médio, para cada CRAS cujo referenciamento seria 5000 famílias.

 


Diante de acúmulo de famílias referenciadas por CRAS, fizemos um cálculo proporcional das equipes de referência com base à quantidades de famílias referenciadas:

 


Observamos a seguir como eram compostas as equipes dos CRAS, conforme Portal da Transparência, em 2023 e posteriormente em 2024:


Observamos que as equipes, dada o alto volume de atendimento nos CRAS, tinham quantitativo de equipe técnica de 182 trabalhadores no total, valor insuficiente diante dos parâmetros mínimos da NOB RH, que seria de 216. No entanto, o que observamos no contexto a partir de 2024 foi a redução sumária no quantitativo de trabalhadores que incorreu no atual cenário alarmante na Política de Assistência Social. Observamos que o quadro de trabalhadores foi reduzido a 50,55% do existente em 2023 que já era insuficiente.

Segundo informações prestadas pela Secretaria de Assistência Social através do Portal da Transparência, o número de famílias atendidas pelo Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família (PAIF), principal serviço oferecido pelos CRAS, em 2023 foi de 9028 e em Março de 2024 foi de 5280 - o que corresponde a 58,48% dos atendimentos oferecidos no ano anterior.

Como podemos observar, existe uma relação entre o número de servidores e a capacidade de atendimento dos CRAS à população que acaba sofrendo as piores consequências deste contexto.

Segundo a Norma Operacional Básica do SUAS[6], uma das seguranças afiançadas à sua população usuária seria de sua acolhida, isto é,

 

provida por meio da oferta pública de espaços e serviços para a realização da proteção social básica e especial, devendo as instalações físicas e a ação profissional conter: a) condições de recepção; b) escuta profissional qualificada; c) informação; d) referência; e) concessão de benefícios; f) aquisições materiais e sociais; g) abordagem em territórios de incidência de situações de risco; h) oferta de uma rede de serviços e de locais de permanência de indivíduos e famílias sob curta, média e longa permanência (BRASIL, 2012, p. 16-17).

 

Os relatos que ouvimos informalmente é que na atual conjuntura os CRAS não conseguem garantir que as pessoas que chegam à sua porta tenham a segurança de que passarão por acolhimento. Há informações de CRAS que estão agendando atendimento de forma a evitar filas, mas estão com agenda para mais de sessenta dias. Há relatos de CRAS que estão entregando senha e as pessoas amontoam-se à sua porta hora antes de sua abertura. Fala-se que muitas famílias estão sendo sistematicamente desassistidas por conseguirem atendimento.

Neste contexto, outros serviços disponibilizados pelos CRAS como o Serviço de Proteção Social Básica no Domicílio para Pessoas com Deficiência e Idosas e o Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos – SCFV acabam ficando em segundo plano, sendo descontinuados pela incapacidade de garantia de sua execução.

 

     Programa Criança Feliz

 

O Programa Criança Feliz foi idealizado pelo Governo Federal, instituído por meio do Decreto nº 8.869, de 5 de outubro de 2016 e consolidado pelo Decreto nº 9.579, de 22 de novembro de 2018. Possui como finalidade promover o desenvolvimento integral de crianças em sua primeira infância. O programa se desenvolve por meio de visitas domiciliares, cujo olhar integra ações intersetoriais de políticas sociais.

A implantação do Programa no município de São José do Rio Preto deu-se 12/06/2023, cuja equipe foi lotada nos CRAS. Segundo o Manual de gestão municipal do Programa Criança Feliz,[7] o referido programa requer equipe constituída, considerando plano de ação previamente habilitado e complexidade de ações que envolvem o desenvolvimento infantil. No âmbito do município, o programa conta com equipe tercerizada composta por uma coordenadora, 13 supervisoras e 35 visitadoras (SIC). Segundo o Manual, os supervisores devem ter nível superior sendo, preferencialmente: Psicólogo, Assistente social, Sociólogo, Antropólogo, Economista Doméstico, Terapeuta Ocupacional, Pedagogo ou Musicoterapeuta. Os visitadores devem ter ensino médio completo.

 

b)    Proteção Social Especial

 

            O Plano de Assistência Social de 2014 previa reordenamentos de alguns serviços da Assistência considerando que estes deveriam ser executados diretamente pelo poder público e não serem mais terceirizados. Em 2018 o reordenamento foi materializado. O atendimento aos adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa em meio aberto de Liberdade Assistida, outrora executado por OSC parceira (Instituição Só Por Hoje) passou a ser executado pelos CREAS 1 e CREAS 2, implementando assim o Serviço de Proteção Social a Adolescentes em Cumprimento de Medida Socioeducativa de Liberdade Assistida (LA) e de Prestação de Serviços à Comunidade (PSC) em acordo com a Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais.[8] Em 2019 a equipes do respectivo serviço tipificado do CREAS 1 contava com 3 assistentes sociais, 1 psicólogo, 3 educadores sociais (além da coordenação, motoristas, administrativos e serviços gerais do equipamento) e a equipe do CREAS 2 contava com 2 assistentes sociais, 1 psicólogo, 1 educadora social (além da coordenação, motoristas, administrativos e serviços gerais do equipamento), totalizando em 5 assistentes sociais, 2 psicólogos, 4 educadores sociais e os demais profissionais dos CREAS aqui citados. Atualmente o CREAS 2 não oferta mais o referido serviço, sendo este unificado no CREAS 1 com a equipe fixa reduzida a: 2 assistentes sociais e 1 educador social. 

No citado reordenamento de 2018, a violência tipificada como “violência sexual” contra crianças e adolescentes também passou a ser atendida pelos CREAS através do Serviço de Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos (PAEFI) , que naquele ano ainda contou com mais 3 profissionais do CRAMI (OSC que atendida respectiva demanda no munícipio) além dos funcionários do CREAS. Atualmente, houve a brusca redução de recursos humanos aqui apresentada e com isso prejuízo na oferta dos serviços prestados. Nesse sentido, as orientações técnicas do CREAS[9] afirma: "todo processo de reordenamento requer planejamento e envolvimento das equipes e unidades relacionadas, de modo a se evitar descontinuidade das ações e perda da qualidade já acumulada na oferta da atenção" (BRASIL, 2011, p.45. Grifos nossos). Ou seja, reordenar e municipalizar alguns serviços e equipamentos e continuar terceirizando funcionários em outros, como a atenção básica, é apenas uma medida de curto prazo, considerando que quando ocorre problemas como o de agora (rompimento de contrato com terceirizados), o reordenamento é arruinado e o retrocesso acontece.

 

III - Concurso Público vigente

 

Neste cenário, os servidores, principalmente os que atuam na ponta, já vivenciam dificuldades como a falta de valorização e esgotamento mediante atuação em uma realidade social tão dura. Desde os rompimentos de termos de parceria e problemas com os contratos das terceirizações, os servidores estão passando por trocas e redução de suas equipes de trabalho, remanejamentos, alguns trabalhando em mais de um equipamento, outros expostos a mudanças que dificultam sua rotina e sua vida.

Após a perda dos funcionários terceirizados no final de 2023, foi homologado concurso público para os cargos de assistente social e psicólogo em 07/12/2023. Segundo o edital, haveria 15 vagas para assistente social e 5 para psicólogo - o que claramente seria insuficiente diante da perda de 137 profissionais da pasta. Ao mesmo tempo, a homologação do concurso inviabiliza a contratação de trabalhadores terceirizados, de forma que a convocação dos candidatos aprovados dentro do número de vagas torna-se imperiosa. Segundo informações da Secretaria de Assistência Social, colhidas através do SIC: “o referido termo constava com 137 profissionais de nível médio e superior. os serviços não foram interrompidos e a estratégia é cobrir as vagas com concurso público”.

Até o presente momento foram convocados:

     5 assistentes sociais (2 foram para Secretaria de Educação e 3 para a Secretaria de Assistência Social)

     4 psicólogos (1 foi para a Secretaria de Educação, 2 para a Secretaria de Assistência Social e 1 para a Secretaria da Mulher, PCD e Igualdade Racial)

De acordo com o II Plano Decenal da Assistência Social (2016/2026),[10] fica estabelecido como objetivo alcançar 80% dos profissionais efetivados mediante concurso público, para garantir a prestação de serviços aos seus usuários. Em 2023, a Secretaria de Assistência tinha 52% de trabalhadores concursados, com a perda dos trabalhadores tercerizados naquele ano, em 2024 esse percentual passou para 62% dos trabalhadores. Dessa forma, vemos uma possibilidade de que a execução municipal da Política da Assistência em Rio Preto aproxime-se mais dos parâmetros do Plano Decenal, mais um motivo para a convocação dos aprovados no concurso público homologado em 12/2023.

A Secretaria Municipal de Assistência informou através do Servico de Informação ao Cidadão ter 11 cargos vagos para assistente social e 6 para psicólogo o que, pelo quadro apresentado até aqui, seria insuficiente diante do contexto atual de execução desta política. Desta forma, para além da convocação dos cargos existentes, seria urgente criar novos cargos a serem preenchidos pelos aprovados no concurso vigente.

 

IV - Orçamento

 

            Na audiência pública sobre as metas fiscais para o primeiro quadrimestre de 2024 ocorrida na Câmara dos Vereadores em 29/05/2024[11] observamos que o orçamento previsto para pessoal e encargos era de 696 milhões, foi gasto 605 milhões, -13% do previsto.



             Com relação aos limites legais, aqueles da lei de responsabilidade fiscal, o município está muito longe. O Limite do Poder Executivo é de 54% da renda corrente líquida, e está está em 31,07%.

 


Dessa forma, observamos que o argumento orçamentário resulta inconsistente e não justifica o caos que a população riopretense vem encontrando no que tange o atendimento nas políticas de assistência social, saúde e educação.



[3] BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Política Nacional da Assistência Social – PNAS/2004 e Norma Operacional Básica da Assistência Social – NOB/SUAS - Brasília, DF: MDS, 2005.

[4] Fonte: Orientações Técnicas: Centro de Referência de Assistência Social – CRAS/ Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. – 1. ed. – Brasília: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, 2009. 72 p. Disponível em: https://www.mds.gov.br/webarquivos/publicacao/assistencia_social/Cadernos/orientacoes_Cras.pdf acesso em 09/06/2024 às 15:01.

[5] NOB-RH Anotada e Comentada – Brasília, DF: MDS; Secretaria Nacional de Assistência Social, 2011. 144 p. ; 23. Disponível em: https://www.mds.gov.br/webarquivos/publicacao/assistencia_social/Normativas/NOB-RH_SUAS_Anotada_Comentada.pdf acesso em 09/06/2024 às 16:21.

[6] BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Resolução nº 33 do Conselho Nacional de Assistência Social, de 12 de dezembro de 2012. Norma Operacional Básica do Sistema Único de Assistência Social - NOB/SUAS. Brasília, DF: 2012. Disponível em: https://www.mds.gov.br/webarquivos/public/NOBSUAS_2012.pdf acesso em 09/06/24 às 16:29.

 

[7] Ministério da Cidadania. Manual de gestão municipal do Programa Criança Feliz. Secretaria Especial de Desenvolvimento Social. Secretaria Nacional de Promoção e Desenvolvimento Humano. - Brasília: Ministério da Cidadania, 2019. Disponível em: https://www.mds.gov.br/webarquivos/publicacao/crianca_feliz/Manual%20do%20Gestor.pdf acesso em 16/ 6/24 às 12:30.

[8] BRASIL. Resolução n.º 109, de 25 de novembro de 2009. Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistenciais. Ministério de Desenvolvimento Social. Brasília, DF, 2009. Disponível em http://www.mds.gov.br/webarquivos/publicacao/assistencia_social/Normativas/tipificacao.pdf acesso em 09/06/2024 às 20:07.

 

[9] Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome - Secretaria Nacional de Assistência Social - Departamento de Proteção Social Especial. Orientações Técnicas: Centro de Referência Especializado de Assistência Social - CREAS. Brasília, 2011. Disponível em http://www.mds.gov.br/webarquivos/publicacao/assistencia_social/Cadernos/orientacoes_creas.pdf acesso em 16/06/2024 às 16:15.

 

[10] BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Plano Decenal da Assistência Social (2016/2026). Brasília, DF: 2016. Disponível em: https://www.mds.gov.br/webarquivos/publicacao/assistencia_social/II_Plano_Decenal_AssistenciaSocial.pdf acesso em 09/06/2024 às 17:01.

[11] TV Câmara de São Jose do Rio Preto. Audiência Pública - metas fiscais do 1º quadrimestre de 2024 - 29/05/24. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=r1mHp1h-fwg acesso em 04/06/2024 às 10:14.

 

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