I - Assistência Social
Em 2021 São José do Rio Preto
foi considerada a terceira melhor cidade para se viver do país.[1] No
entanto observamos que a política da Assistência Social do município passou a
ser alvo de ataques, através do corte sumário de serviços essenciais ao seu
funcionamento. Com isso, observamos um agravamento nas condições de vida da
população vulnerável que resultou na desgostosa inclusão do município no mapa
da fome.[2]
Gostaríamos de destacar
aqui dois eventos principais que acreditamos exemplificar claramente o desmonte
que esta política vem enfrentando.
Em 2023, houve duas
rupturas de termo de parceria com instituições que prestavam serviços à
Secretaria de Assistência Social:
- Projeto Lar de Fátima que atendia 540
crianças e adolescentes com o Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos
(âmbito da Proteção básica / SUAS) — , essencial para garantir a proteção de
crianças enquanto seus pais trabalham e diante da falta de escolas com
fundamental I integral na cidade (SIC Rio Preto, 2024).
- Instituição “Só Por Hoje”:
desligamento de 137 funcionários terceirizados (SIC) que trabalhavam na
Proteção Social Básica (CRAS) e Especial (CREAS). Em meados de setembro, houve
o início de demissões de funcionários — demissões que ocorreram até novembro de
2023. A respectiva pasta atua com esse déficit de recursos humanos
sobrecarregando os servidores efetivos. Para que todos os equipamentos
mantivessem seus atendimentos à população, foi necessário servidores
trabalharem em dois equipamentos e outros fossem remanejados.
Apresentamos
a seguir quadro fornecido pelo Portal da Transparência de São José do Rio
Preto/ Serviço de Informação ao Cidadão (SIC) que demonstra a diferença severa
entre o número de funcionários da pasta entre 2023 e 2024.
Adicionamos a esse
cenário caótico, o dado de informação de que a Assistência Social no município
já trabalhava acima de sua capacidade,
antes mesmo desta redução. Além disso, entre Janeiro/ 2023 e
Janeiro/2024 foi implantado na cidade o Programa Criança Feliz que tem equipes
constituídas para executar um Plano de Ação próprio. O Programa gerou a contratação tercerizada de
49 pessoas (SIC Rio Preto). Sendo assim, teríamos que subtrair esse número da
quantidade total de trabalhadores da assistência em 2024 para poder comparar
assertivamente com a equipe de 2023 (quando não existia o programa),
remanescendo o valor de 328 trabalhadores fazendo em 2024 o que 469 faziam em
2023.
Voltando à avaliação das
equipe de 2023, nos apoiamos no marco legal da Política Nacional de Assistência
Social cuja classificação coloca São José do Rio Preto como um município de
grande porte, ficando atrás apenas das metrópoles.[3]
a)
Proteção Social Básica
Segundo as Orientações
Técnicas: Centro de Referência de Assistência Social – CRAS publicada pelo
Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome[4]
municípios de grande porte teriam um CRAS para cada 5000 famílias
referenciadas, com capacidade anual de atendimento de 1000 famílias.
Segue,
abaixo, o número de atendimentos anuais e de famílias referenciadas por CRAS em
São José do Rio Preto em 2023, conforme dados do Portal da Transparência (SIC).
Na terceira coluna, fizemos um cálculo simples de quantos CRAS deveria haver
por território para que a Política de Assistência Social atuasse em
conformidade com o parâmetros determinados:
Como
podemos ver, em 2023 todos os CRAS já atuavam muito acima de sua capacidade de
atendimento. Acreditamos que houve erro na coleta de dados acerca do número de
famílias referenciadas nos territórios do Novo Mundo e Eldorado, dada a
discrepância deste número em relação ao número de famílias atendidas por ano
pelo mesmo CRAS. Por essa razão arredondamos o número para 1, que seria o
mínimo.
Passamos então para
avaliar se o quadro de profissionais estaria em conformidade com a Norma
Operacional Básica - Recursos Humanos/ SUAS[5]
mesmo antes dos gravíssimos cortes de trabalhadores empreendidos recentemente.
Lembramos que Rio Preto compõe a classificação de município de grande porte e
que segundo esta norma, as equipes dos CRAS deveriam ser compostas por 4 técnicos
de nível superior e 4 técnicos de nível médio, para cada CRAS cujo
referenciamento seria 5000 famílias.
Diante de acúmulo de
famílias referenciadas por CRAS, fizemos um cálculo proporcional das equipes de
referência com base à quantidades de famílias referenciadas:
Observamos a seguir como
eram compostas as equipes dos CRAS, conforme Portal da Transparência, em 2023 e
posteriormente em 2024:
Observamos que as
equipes, dada o alto volume de atendimento nos CRAS, tinham quantitativo de
equipe técnica de 182 trabalhadores no total, valor insuficiente diante dos
parâmetros mínimos da NOB RH, que seria de 216. No entanto, o que observamos no
contexto a partir de 2024 foi a redução sumária no quantitativo de
trabalhadores que incorreu no atual cenário alarmante na Política de
Assistência Social. Observamos que o quadro de trabalhadores foi reduzido a
50,55% do existente em 2023 que já era insuficiente.
Segundo informações
prestadas pela Secretaria de Assistência Social através do Portal da
Transparência, o número de famílias atendidas pelo Serviço de Proteção e
Atendimento Integral à Família (PAIF), principal serviço oferecido pelos CRAS,
em 2023 foi de 9028 e em Março de 2024 foi de 5280 - o que corresponde a 58,48%
dos atendimentos oferecidos no ano anterior.
Como podemos observar,
existe uma relação entre o número de servidores e a capacidade de atendimento
dos CRAS à população que acaba sofrendo as piores consequências deste contexto.
Segundo a Norma
Operacional Básica do SUAS[6], uma
das seguranças afiançadas à sua população usuária seria de sua acolhida, isto
é,
provida por meio da oferta pública de
espaços e serviços para a realização da proteção social básica e especial,
devendo as instalações físicas e a ação profissional conter: a) condições de
recepção; b) escuta profissional qualificada; c) informação; d) referência; e)
concessão de benefícios; f) aquisições materiais e sociais; g) abordagem em
territórios de incidência de situações de risco; h) oferta de uma rede de
serviços e de locais de permanência de indivíduos e famílias sob curta, média e
longa permanência (BRASIL, 2012, p. 16-17).
Os relatos que ouvimos
informalmente é que na atual conjuntura os CRAS não conseguem garantir que as
pessoas que chegam à sua porta tenham a segurança de que passarão por
acolhimento. Há informações de CRAS que estão agendando atendimento de forma a
evitar filas, mas estão com agenda para mais de sessenta dias. Há relatos de
CRAS que estão entregando senha e as pessoas amontoam-se à sua porta hora antes
de sua abertura. Fala-se que muitas famílias estão sendo sistematicamente
desassistidas por conseguirem atendimento.
Neste contexto, outros
serviços disponibilizados pelos CRAS como o Serviço de Proteção Social Básica
no Domicílio para Pessoas com Deficiência e Idosas e o Serviço de Convivência e
Fortalecimento de Vínculos – SCFV acabam ficando em segundo plano, sendo
descontinuados pela incapacidade de garantia de sua execução.
●
Programa Criança Feliz
O Programa Criança Feliz
foi idealizado pelo Governo Federal, instituído por meio do Decreto nº 8.869,
de 5 de outubro de 2016 e consolidado pelo Decreto nº 9.579, de 22 de novembro
de 2018. Possui como finalidade promover o desenvolvimento integral de crianças
em sua primeira infância. O programa se desenvolve por meio de visitas
domiciliares, cujo olhar integra ações intersetoriais de políticas sociais.
A implantação do Programa
no município de São José do Rio Preto deu-se 12/06/2023, cuja equipe foi lotada
nos CRAS. Segundo o Manual de gestão municipal do Programa Criança Feliz,[7] o
referido programa requer equipe constituída, considerando plano de ação
previamente habilitado e complexidade de ações que envolvem o desenvolvimento
infantil. No âmbito do município, o programa conta com equipe tercerizada
composta por uma coordenadora, 13 supervisoras e 35 visitadoras (SIC). Segundo
o Manual, os supervisores devem ter nível superior sendo, preferencialmente:
Psicólogo, Assistente social, Sociólogo, Antropólogo, Economista Doméstico,
Terapeuta Ocupacional, Pedagogo ou Musicoterapeuta. Os visitadores devem ter
ensino médio completo.
b)
Proteção Social Especial
O
Plano de Assistência Social de 2014 previa reordenamentos de alguns serviços da
Assistência considerando que estes deveriam ser executados diretamente pelo
poder público e não serem mais terceirizados. Em 2018 o reordenamento foi
materializado. O atendimento aos adolescentes em cumprimento de medida
socioeducativa em meio aberto de Liberdade Assistida, outrora executado por OSC
parceira (Instituição Só Por Hoje) passou a ser executado pelos CREAS 1 e CREAS
2, implementando assim o Serviço de Proteção Social a Adolescentes em
Cumprimento de Medida Socioeducativa de Liberdade Assistida (LA) e de Prestação
de Serviços à Comunidade (PSC) em acordo com a Tipificação Nacional de Serviços
Socioassistenciais.[8] Em
2019 a equipes do respectivo serviço tipificado do CREAS 1 contava com 3
assistentes sociais, 1 psicólogo, 3 educadores sociais (além da coordenação,
motoristas, administrativos e serviços gerais do equipamento) e a equipe do
CREAS 2 contava com 2 assistentes sociais, 1 psicólogo, 1 educadora social (além
da coordenação, motoristas, administrativos e serviços gerais do equipamento),
totalizando em 5 assistentes sociais, 2 psicólogos, 4 educadores sociais e os
demais profissionais dos CREAS aqui citados. Atualmente o CREAS 2 não oferta
mais o referido serviço, sendo este unificado no CREAS 1 com a equipe fixa
reduzida a: 2 assistentes sociais e 1 educador social.
No citado reordenamento
de 2018, a violência tipificada como “violência sexual” contra crianças e
adolescentes também passou a ser atendida pelos CREAS através do Serviço de
Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos (PAEFI) , que naquele ano
ainda contou com mais 3 profissionais do CRAMI (OSC que atendida respectiva
demanda no munícipio) além dos funcionários do CREAS. Atualmente, houve a brusca
redução de recursos humanos aqui apresentada e com isso prejuízo na oferta dos
serviços prestados. Nesse sentido, as orientações técnicas do CREAS[9]
afirma: "todo processo de reordenamento requer planejamento e envolvimento
das equipes e unidades relacionadas, de
modo a se evitar descontinuidade das ações e perda da qualidade já acumulada na
oferta da atenção" (BRASIL, 2011, p.45. Grifos nossos). Ou seja, reordenar
e municipalizar alguns serviços e equipamentos e continuar terceirizando
funcionários em outros, como a atenção básica, é apenas uma medida de curto
prazo, considerando que quando ocorre problemas como o de agora (rompimento de
contrato com terceirizados), o reordenamento é arruinado e o retrocesso
acontece.
III - Concurso Público vigente
Neste cenário, os
servidores, principalmente os que atuam na ponta, já vivenciam dificuldades
como a falta de valorização e esgotamento mediante atuação em uma realidade
social tão dura. Desde os rompimentos de termos de parceria e problemas com os
contratos das terceirizações, os servidores estão passando por trocas e redução
de suas equipes de trabalho, remanejamentos, alguns trabalhando em mais de um
equipamento, outros expostos a mudanças que dificultam sua rotina e sua vida.
Após a perda dos
funcionários terceirizados no final de 2023, foi homologado concurso público
para os cargos de assistente social e psicólogo em 07/12/2023. Segundo o
edital, haveria 15 vagas para assistente social e 5 para psicólogo - o que
claramente seria insuficiente diante da perda de 137 profissionais da pasta. Ao
mesmo tempo, a homologação do concurso inviabiliza a contratação de
trabalhadores terceirizados, de forma que a convocação dos candidatos aprovados
dentro do número de vagas torna-se imperiosa. Segundo informações da Secretaria
de Assistência Social, colhidas através do SIC: “o referido termo constava com
137 profissionais de nível médio e superior. os serviços não foram
interrompidos e a estratégia é cobrir as vagas com concurso público”.
Até o presente momento
foram convocados:
● 5 assistentes sociais (2 foram para
Secretaria de Educação e 3 para a Secretaria de Assistência Social)
● 4 psicólogos (1 foi para a Secretaria
de Educação, 2 para a Secretaria de Assistência Social e 1 para a Secretaria da
Mulher, PCD e Igualdade Racial)
De acordo com o II Plano
Decenal da Assistência Social (2016/2026),[10]
fica estabelecido como objetivo alcançar 80% dos profissionais efetivados
mediante concurso público, para garantir a prestação de serviços aos seus
usuários. Em 2023, a Secretaria de Assistência tinha 52% de trabalhadores
concursados, com a perda dos trabalhadores tercerizados naquele ano, em 2024
esse percentual passou para 62% dos trabalhadores. Dessa forma, vemos uma
possibilidade de que a execução municipal da Política da Assistência em Rio
Preto aproxime-se mais dos parâmetros do Plano Decenal, mais um motivo para a
convocação dos aprovados no concurso público homologado em 12/2023.
A Secretaria Municipal de
Assistência informou através do Servico de Informação ao Cidadão ter 11 cargos
vagos para assistente social e 6 para psicólogo o que, pelo quadro apresentado
até aqui, seria insuficiente diante do contexto atual de execução desta
política. Desta forma, para além da convocação dos cargos existentes, seria
urgente criar novos cargos a serem preenchidos pelos aprovados no concurso
vigente.
IV - Orçamento
Na
audiência pública sobre as metas fiscais para o primeiro quadrimestre de 2024
ocorrida na Câmara dos Vereadores em 29/05/2024
observamos que o orçamento previsto para pessoal e encargos era de 696 milhões,
foi gasto 605 milhões, -13% do previsto.
Com relação aos limites
legais, aqueles da lei de responsabilidade fiscal, o município está muito
longe. O Limite do Poder Executivo é de 54% da renda corrente líquida, e está
está em 31,07%.
Dessa forma, observamos
que o argumento orçamentário resulta inconsistente e não justifica o caos que a
população riopretense vem encontrando no que tange o atendimento nas políticas
de assistência social, saúde e educação.
[3] BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e
Combate à Fome. Política Nacional da Assistência Social – PNAS/2004 e Norma
Operacional Básica da Assistência Social – NOB/SUAS - Brasília, DF: MDS, 2005.
[6] BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e
Combate à Fome. Resolução nº 33 do Conselho Nacional de Assistência Social, de
12 de dezembro de 2012. Norma Operacional Básica do Sistema Único de
Assistência Social - NOB/SUAS. Brasília, DF: 2012. Disponível em: https://www.mds.gov.br/webarquivos/public/NOBSUAS_2012.pdf acesso em 09/06/24 às 16:29.